Guerra da Rússia na Ucrânia está a afectar o café no Brasil
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Guerra da Rússia na Ucrânia está a afectar o café no Brasil
Jonas Ferraresso | 23 de março de 2022
Os agricultores brasileiros devem fertilizar os campos de café para manter a saúde vegetal. Todas as imagens cortesia do autor da história Jonas Ferraresso.
Antes de aprofundar uma análise técnica sobre as actuais condições do sector do café no Brasil, devo primeiro expressar o meu apoio a todos os milhões de pessoas inocentes cujas vidas foram afectadas pela invasão russa da Ucrânia.
É evidente que muitas das questões que enfrentamos no café em comparação com as questões humanitárias que afectam actualmente o povo da Ucrânia. Infelizmente, esta crise foi acompanhada pela inflação global, por uma crise logística em curso, por economias enfraquecidas, pela pandemia COVID-19, pelas emergências climáticas, pelos desequilíbrios da oferta e muito mais.
Fazer previsões precisas sobre o sector do café num cenário global tão caótico é quase impossível, mas, no entanto, tentarei abordar algumas das formas pelas quais o ataque da Rússia à Ucrânia pode estar a afectar o sector do café no Brasil.
Entretanto, veja o fundo desta história para ligações a vários esforços da indústria do café em apoio à Ucrânia.
Saúde da Árvore do Café
Praticamente todos os seres vivos dependem de nutrientes para a sua sobrevivência, e o café não é excepção. Os principais nutrientes que as plantas de café necessitam são o azoto, o fósforo e o potássio (NPK). Cálcio, magnésio, enxofre, boro, zinco e outros também são importantes, mas vamos ficar com os três primeiros.
O complexo NPK desempenha funções essenciais dentro da cafeteira para que, no final de um ano agrícola, tenhamos sementes viáveis para colheita e adequadas para assar. Por exemplo, o potássio está relacionado com o transporte de açúcares, bem como com a resistência a pragas, doenças, frio e seca. A falta deste nutriente pode causar queda de folhas, má fruta e o desenvolvimento das sementes, e secar de ramos.
Uma planta de café mostrando mau desenvolvimento de sementes.
Para manter uma operação de café produtiva e rentável, é necessário que o potássio e os outros nutrientes estejam em equilíbrio no solo, uma condição que muitas vezes requer a aplicação de fertilizantes solúveis ou orgânicos. Sempre que um agricultor colhe um saco de café, ocorre algum nível de esgotamento de nutrientes, pelo que é necessária a reposição rotineira destes nutrientes.
A Crise dos Fertilizantes
Perto do final de 2021, os produtores brasileiros de café começaram a sentir um aumento de preços relacionado com a oferta de fertilizantes no mercado nacional. Esta primeira onda de preços elevados esteve relacionada com a inflação global, com o aumento da procura pós-pandemia e com a possibilidade de sanções russas sobre exportação já em 2021.
Isto levou os produtores de café a gastar uma quantidade maior de dinheiro do que se esperava que investissem, mas a maioria fê-lo. Em alguns casos, os pequenos produtores tiveram de reduzir as doses necessárias de fertilizantes, substituir os adubos solúveis por fontes orgânicas ou, em alguns casos, não fertilizar correctamente o solo. O actual conflito na Ucrânia pode estar a agravar estas condições.
Uma folha de árvore de café deficiente em nutrientes.
O sector dos fertilizantes no Brasil mudou consideravelmente nos últimos 20 anos, impulsionado por uma redução de cerca de 33% na produção nacional, aliada a um aumento de 400% da procura global. A dependência das importações de fertilizantes foi de cerca de 20% em 2002, contra cerca de 85% agora, com a Rússia e a Bielorrússia a serem responsáveis por cerca de 26% do volume necessário para o agronegócio brasileiro em geral.
Voltando ao café e ao exemplo do potássio, 80% da produção mundial provém de minas na Rússia, Bielorrússia, China e Canadá. A Rússia e a Bielorrússia exprimiram a sua opinião sobre a impossibilidade logística de exportar estas matérias-primas para o Brasil, enquanto as sanções que afectam as instituições financeiras russas e os sistemas bancários internacionais SWIFT estão, em alguns casos, a tornar o comércio impossível.
A maioria das grandes explorações de café não será imediatamente afectada pela perturbação, uma vez que grande parte do fornecimento de fertilizantes foi comprado antecipadamente. No entanto, à medida que as existências diminuem, a escassez é mais susceptível de afectar os pequenos e médios produtores que dependem de revendedores de fertilizantes. Além disso, uma vez que o fornecimento de fertilizantes retorna, é provável que venha a um custo mais elevado.
Os produtores de café também têm um pouco mais de tempo para se prepararem, uma vez que a fertilização normalmente recomeça em Setembro, embora a escassez possa afectar as culturas suplementares, as culturas alimentares e culturas económicas importantes, como o trigo.
Exportações e Mercados
No mercado mundial do café, a Ucrânia e a Rússia são responsáveis pelo consumo de 5,5 milhões de sacos, cerca de 10% do consumo europeu de 56 milhões de sacos, segundo os últimos dados da Organização Internacional do Café (ICO).
Para além de uma redução prevista do consumo durante o conflito, é provável que surjam igualmente obstáculos logísticos e financeiros.
No ano passado, o Brasil exportou cerca de 40,2 milhões de sacos no total, de acordo com o CECAFE. A Rússia e a Ucrânia representavam 3,5% desse mercado de exportação, ou seja, cerca de 1,4 milhões de sacos, para cerca de 209 milhões de dólares em receitas cambiais.
Fileiras de árvores de café saudáveis.
Tendo em conta estes volumes, os exportadores, os produtores e os comerciantes já estão a sentir os impactos da guerra na Ucrânia.
Por exemplo, a ABICS (Associação Brasileira da Indústria do Café Solúvel) já está a informar que as empresas brasileiras de café não têm recebido dinheiro para alguns envios para a Rússia. Existe também a preocupação com a suspensão do manuseamento de contentores na Rússia por parte da Maersk, da CMA CGM e da MSC.
No Brasil, é claro, qualquer tipo de incerteza resulta na especulação do mercado e nas subsequentes flutuações de preços. Apesar da recuperação esta semana, os preços do café atingiram um mínimo de quatro meses na semana passada. Para os agricultores, é provável que os preços mais baixos sejam atingidos por preços exponencialmente mais elevados para os fertilizantes, bem como pelo aumento dos custos resultantes dos ajustamentos inflacionários que afectam o gás e o petróleo.
Infelizmente para os produtores que esperam um ano mais calmo em 2022, após a tumultuosa invasão da Ucrânia pela Rússia, está a acrescentar uma nova camada de complicações.
Jonas Ferraresso
Jonas Leme Ferraresso é licenciado em agronomia pela Universidade Estadual de São Paulo (UNESP). Trabalhou como fazendeiro de café e como agronomista (Boa Esperança Coffee Farm), como roaster (Artesan Coffee Solutions), como cupper e roaster (Amparo Rural Union), e como consultor. Está sediado na Serra Negra, São Paulo, Brasil.
Artigo original:- https://dailycoffeenews.com/2022/03/23/russias-war-in-ukraine-is-affecting-coffee-in-brazil/